E os rumores sobre minha outra vida

Eu nasci em algum lugar que já não me lembro. Confesso que poucos sabem sobre o que eu fui e o que eu fiz quando jovem. Prefiro deixar que se criem lendas. A única que sabe a verdade é minha amiga do peito, brow. O nome dela é Mafalda.

Cyane e Mafalda, da esquerda para a direita.
Nós nos conhecemos no lugar que os veteranos chamavam de Auschwitz, onde ficamos por mais da metade de nossas vidas.
Uma das lendas sobre o que eu fiz antes de Auschwitz foi elaborada pelo Fusca, um garotão com uma mente sonhadora que ainda está em  Auschwitz. Você pode planejar uma missão de resgate. Vou deixar os contatos necessários do facebook ao final deste texto, caso você tenha culhões para seguir com esta missão. Bem, o Fusca dizia que eu era descendente direta da cadela soviética Laika, a primeira cachorra a ser enviada ao espaço, a bordo do satélite soviético Sputnik 2. Segundo rumores, Fusca ouviu de outros veteranos que após os primeiros ataques da mídia  contra os maus tratos com a cachorra Laika, enviada a uma missão suicida, o governo Russo tentou eliminar todas as provas da existência de Laika, incluindo seus descendentes. Fusca dizia que eu sou neta da cachorra Laika, que após eu ter sido presa e torturada na prisão de Gulag, o que é provado pelas cicatrizes espalhadas pelo meu corpo, consegui escapar por entre os dedos dos casacas vermelhas e percorri mais de 4000 milhas, cruzando a Sibéria no inverno, o deserto de Gobi e a Cordilheira do Himalaia, sempre perseguida pelo governo russo. Depois de algum tempo, fui capturada, mas devido à pressão da ONU, fui deportada para o Brasil e acabei parando em Auschwitz. A história, segundo Fusca, é tão real que inspirou, alguns anos depois, o filme "Caminho da Liberdade".
Já para a cadela Pipoca, também residente em Auschwitz, minha história não é diferente de outros tantos, que durante a infância tinham um lar com tutores que os amavam, com a dura missão de divertir seus filhos. Mas com o tempo os cães crescem mais do que deveriam e os tutores os levam para um passeio de carro, dizendo ao filho que o cachorro está de mudança para o sítio de algum amigo da família. Na verdade, o sítio não existe, e Pipoca dizia que eu fui abandonada em alguma rodovia com muito movimento, em um anoitecer chuvoso. Sem saber como voltar para casa, acabei vivendo nas ruas e, depois de passar fome e frio, de ser expulsa da frente de muitas casas, apedrejada por adolescentes enfurecidos com sua vida e cheios de testosterona, acabei sendo atropelada por um motorista depressivo que nem se deu o trabalho de tentar desviar. Ao ouvir os meus latidos de dor, alguém chamou a carrocinha que me levou a Auschwitz, onde uma nobre alma tratou os ferimentos durante longos meses até minha recuperação parcial.
Independente da versão, não vou desmentir nenhum dos meus companheiros de guerra. Mas todos sabemos que o nome do local não é Auschwitz, mas ONG Apassos, um lugar que nos acolheu durante muito tempo e que cuidou de muitos cães quando suas famílias já não nos queriam ou podiam cuidar. Chamamos de Auschwitz porque se não ficássemos lá, acabaríamos morrendo nas ruas. Não no sentido pejorativo, mas no sentido de o único lugar onde nós, cães sem pedigree, assim como os judeus de Auschwitz, poderíamos ter esperança de um dia ter um lar. Hoje não estou mais lá, graças à dinda Deise que me apresentou à minha nova família e adotou Mafalda. Mas a ONG Apassos ainda tem muitos cachorros além de Fusca e Pipoca. A ONG precisa de sua ajuda, para poder continuar ajudando outros cães. Se não quiser ou não puder adotar um cachorro ou ajudar com ração e medicamentos, um pouco do seu tempo e carinho já são de grande ajuda e, vou te contar um segredo: é de graça.

Página da ONG Apassos de Três Passos - RS no Facebook:
https://www.facebook.com/groups/271987752974720/

De Joaçaba-SC para o Patas na Estrada 2020, Cyane, 17/12/2018

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